sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

GPS

Lembro-me que nos primeiros tempos desta profissão, ao chegar numa cidade onde nunca tinha estado e onde iria caminhar pela primeira vez sozinha com um grupo atrás de mim, fotocopiava mapas do tamanho da palma da minha mão para poder ir espreitando o caminho ou, quando o percurso era um pouco mais simples, memorizava nome de rua atrás de nome de rua para chegar a bom porto.
Mesmo que por vezes estivesse errada, indo com olhar atento, encontrava sempre algo na rua, numa fachada, nas pessoas, até numa montra de uma loja, para explicar e parecer que aquele era mesmo o caminho que queria fazer! Levava mais tempo a terminar o percurso? Levava, mas ninguém percebia, principalmente se não passasse nenhum sentimento de nervosismo.
Hoje em dia existe o GPS, o GPS no telemóvel e existe um grande número de pessoas, que não relaxando nas férias, ligam os seus GPS para saber se o percurso que o motorista escolheu é o melhor (mesmo que não tenham conhecimento de obras, picos de trânsito ou outros afins) e até mesmo se a guia está a andar na rua certa.
Enganar numa viela tornou-se tarefa mais árdua para lidar com certas pessoas ou explicar-lhes que aquele é o melhor caminho porque conhecemos o panorama geral tornou-se tarefa herculiana!

Certa vez estava com um grupo a percorrer a 24 de Julho, o nosso destino era o Hotel Tryp Oriente no Parque das Nações. Infelizmente entre manifestações, gruas, chuva e a fatídica hora das 18h00 o percurso que deveria ter levado no máximo 25 minutos, já ía numa hora. Infelizmente também, estavamos parados num ponto da estrada em que não havia a mínima das hipóteses de voltar para trás, escolher outro caminho e conseguir sair dali.
Obviamente o grupo foi ficando mais ansioso, cansado de estar no autocarro, com vontade de mudar de roupa após uma dia de passeio, com a fome a chegar e o medo de que não chegariam a tempo de jantar!
A chefe do grupo decide ligar o seu GPS: segundo aquela máquina faltavam 15 minutos para chegar ao seu destino.
Chamou-me e com o tom mais altivo do mundo, disse-me que queria sair do autocarro e ir a pé.
Nós estavamos à frente da estação do Cais do Sodré, dali ao Parque das Nações a pé seria à vontade uns 40 minutos ou 1 hora dependendo do andar da pessoa. Por muito que fosse a direito, tem partes do percurso em ruelas escuras e caminhos menos simpáticos principalmente para turistas.
Sem saber que ela já tinha visto o GPS disse-lhe toda essa informação.
Rindo disse-me: não minta, o GPS diz que são 15 minutos!

Ao ouvir estas palavras tive toda a vontade do mundo de lhe abrir as portas e deixá-la ir. O motorista dizia-me, eu abro as portas não se preocupe! Obviamente não o fizemos.
Tentei explicar à senhora onde estavamos, onde era o nosso destino e como eram as ruas. Disse-lhe que infelizmente estando nós onde estavamos a única e melhor solução seria continuar em frente, mas que teríamos de ter um pouco mais de paciência. Ou então irmos todos de metro, o que ainda levaria algum tempo pois teriam de andar em duas linhas.

Ela insistia na sua teoria. Pedi-lhe uns minutos para falar com os meus superiores e verem que opções queriam oferecer ao grupo.
Enquanto fazia a chamada, o grupo começou a falar entre si. Espreitavam o mapa do metro no telemóvel, testavam-me perguntando as estações (ao mesmo tempo que eu falava ao telemóvel), consultavam o mapa de Lisboa, eu sei lá.
A agência, percebendo a situação que a senhora criara, disse-me que só daria autorização para irem de metro, que a pé é impensável, mas que ainda assim eles teriam que assumir os riscos do que pudesse acontecer.
Expliquei-lhes, pedi-lhes paciência pois através de outra colega já sabíamos que ao passar aqueles semáforos, deixaríamos de ter trânsito e seria sempre realmente a andar.
Mas a senhora, reclamando-se chefe do grupo, queria ir a pé porque o GPS dizia tal coisa.
Perguntei-lhe: que opção colocou? a pé ou de carro?

Minutos de silêncio... de carro.

Ainda assim, não satisfeita, muda a opção e apesar de confirmar o que eu dizia, queria sair. Era um caminho sempre a direito não haveria problema. Felizmente o trânsito naquele preciso momento, andou tudo o que era preciso até ficarmos em caminho livre.
Ao longo do resto do percurso fui ouvindo os comentários das outras pessoas do grupo: que ainda era um longo caminho para ser a pé, que era escuro, que realmente havia partes menos "confortáveis".
Chegados ao destino, ela saiu sem uma palavra, os outros agradeceram não os ter deixado sair.

Ai GPS ao quanto nos obrigas!!!!



quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Lobo Antunes

"é essa claridade difusa, volátil, omnipresente, apaixonada, comum aos quadros de Matisse e às tardes de Lisboa"

- in Os Cus de Judas, António Lobo Antunes


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Tempo a mais!

Foi um daqueles tours em que tudo atrasa, em que tudo acontece e para querer compensar o grupo, proporcionando-lhes um tempo de paz, descanso e sem interrupções malucas, dei 10 minutos mais do que o previsto na paragem do tempo livre.
Após terem todos descido do autocarro, disse-me um senhor assim:
"10 minutos a mais, pode ter a certeza que farei uma reclamação à agência! O que é que faço com tanto tempo aqui?"

É isto. Não podemos mesmo achar que todos pensamos igual, que todos ficaríamos felizes por termos mais tempo num sítio novo, que todos apreciaríamos um momento de pausa. Não.

Creio não errar quando digo que esta reacção só poderia ser de um alemão!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Noites lisboetas ou a música não precisa de tradução

Quando chega a época baixa, um Guia Intérprete pode ficar à vontade uns 3 meses sem trabalhar, ou a trabalhar muito poucos dias.
Ao chegar um desses dias de trabalho, sinto sempre a certeza de que estou na profissão certa. Que "isto" não é trabalho, mas gosto!
Portugal tem mil defeitos, mas eu consigo ver o bom e com muito gosto mostrá-lo.

Após a reunião e antes de jantar, este grupo teve direito a conhecer Lisboa de eléctrico, com uma surpresa... fado!
Fizemos uma brincadeira, fingimos que a fadista pedia boleia e para pagar a ajuda, cantou o fado! (um guia também tem de ser actor!!!)
Eles deliraram, acreditaram por minutos naquilo tudo, era só telemóveis a fotografar e a filmar.
E eu sorria.
Chuviscava.
Lisboa brilhava.
Cantava-se Lisboa num eléctrico à noite!
O melhor de tudo foi o final. Ela despede-se, eles aplaudem e conforme a fadista desce do eléctrico, o silêncio apodera-se do mesmo. Olho-os e nota-se que cada um está absorto num pensamento pessoal, vão guardando os telemóveis, uns olham para a paisagem, outros apertam os casacos, uns sorriem, outros colocam um ar mais sério. Um senhor quebra o silêncio:
"- Ficou tudo a pensar na vida? Que silêncio!"
Todos riem.
Achei o comentário tão curioso, tão certo com aquilo que significa Fado! Perguntei-lhes se já teriam ouvido falar do fado e, ouvido fado! Não. Ninguém ali sabia o que era!
"Fado, vem de fatum - destino. Curioso que vocês sem saberem o que esta música é e, sem perceberem português, ficaram todos a pensar na vida não é?"